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LEI DE COTAS: Uma década de justiça social nas universidades

Tatiana Notaro
Tatiana Notaro
Publicado em 20/09/2022 às 13:03
UnB foi a primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais


UnB reserva vagas para negros desde o vestibular de 2004


Percentual de negros com diploma cresceu quase quatro vezes desde 2000, segundo IBGE
UnB foi a primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais UnB reserva vagas para negros desde o vestibular de 2004 Percentual de negros com diploma cresceu quase quatro vezes desde 2000, segundo IBGE FOTO: UnB foi a primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais UnB reserva vagas para negros desde o vestibular de 2004 Percentual de negros com diploma cresceu quase quatro vezes desde 2000, segundo IBGE

Há uma década, o acesso de estudantes a vagas em universidades públicas não levava em conta o histórico socioeconômico, tampouco a origem. Com a sanção da Lei n° 12.711, a Lei de Cotas, a partir de agosto de 2012, ficava garantida a reserva de metade das vagas dessas instituições para pessoas pretas e pardas oriundas de escolas públicas. As portas do ensino superior, finalmente, começavam a ser abertas para uma mudança social.

Em números, estamos falando sobre um cenário de 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia que passaram por uma transformação.

“Entre 2010 e 2020, houve um aumento de 400% de pessoas pretas e pardas nas universidades, o que, no meu entendimento, é o maior legado da lei de cotas raciais para o nosso país”, afirma a advogada criminalista e professora do curso de Direito da Uninassau, Carina Acioly.

Assim, a garantia de espaços nas universidades - uma ferramenta importante, mas paliativa - passa a ser assegurada por lei. Na análise de Carina, o sistema de cotas é parte de um processo de democratização, não uma medida final, mas uma forma de “começar a combater o problema” da falta de acesso. Assim, os números mostram que a mudança foi, e é, real.

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Há muito mais que falta de acesso nesse contexto. Há uma cultura escravocrata que a lei de cotas raciais vem combater assertivamente com uma resposta prática: profissionais pretos a pardos estão no mercado de trabalho, hoje, ocupando postos que dependem de formação acadêmica específica, como médicos e advogados.

Carina Acioly, professora da Uninassau

Paralelamente, é essencial que sejam executadas políticas públicas a níveis municipal, estadual e federal. “É importante que a gente reveja a estrutura da escola pública, a formação continuada de professores, melhores condições de trabalho”, relembra Carina. 

“Para além da lei de cotas, a gente precisa pensar políticas efetivas, de estado, não de governo, que visam melhorar a educação pública de base no país. A gente sabe que a educação não apresenta melhoria em curto prazo. Se a gente começar a remoldar a educação pública no país hoje, só veremos os reflexos daqui a 10, 20 anos”, completa.

Importante lembrar que há 10 anos, os primeiros cotistas encontraram universidades que, embora públicas, “eram elitizadas e embranquecidas”. “Aqueles alunos vinham das melhores escolas, tinham condições de arcar com os melhores cursinhos preparatórios. Então, há 10, 15 anos, as universidades públicas não eram, majoritariamente, ocupadas pelo povo”, relembra a professora da Uninassau.

“Afinal, quem, majoritariamente, faz parte do povo? As pessoas pobres e pretas. Hoje a gente vê um contexto diferenciado. Hoje, até o mercado de trabalho mudou, porque as primeiras gerações que se formaram com a lei de cotas já estão no mercado de trabalho. Significa que profissões que eram tidas elitizadas estão, hoje, bem mais diversificadas. E essa geração  que se formou pelo sistema de cotas tem um pensamento mais crítico com relação à sociedade e as instituições de formação, e muitas pessoas estão devolvendo esses efeitos dessa reparação social”.

Mais que entrar, ficar

“Posso dizer que o Brasil teve uma cota explícita na educação para pessoas brancas por quase 400 anos, que foi justamente o período de escravidão contra pessoas negras”, relembra Carina Acioly, da Uninassau

“Tivemos ainda mais de 100 anos de cotas implícitas para pessoas brancas porque, em geral, os pobres, os negros, quando tiveram algum acesso, foi à educação de baixa qualidade”. 

Assim, defende Carina, muito além que possibilitar acesso, a Lei de Cotas precisa garantir que a pessoa cotista tenha como custear a sua alimentação, transporte, material. Enfim, consiga dar sequência aos seus estudos. 

Legado das cotas

Primeiramente, a Lei de Cotas parte da constatação, através de pesquisa, de que o vestibular, como é aplicado no Brasil, não era um sistema justo de seleção. Segundo Carina, fatores associados ao nível de escolaridade dos pais e à renda familiar, por exemplo, têm uma influência muito grande nas condições do estudante. 

"E isso não era levado em consideração. Até a criação e sanção da lei, havia iniciativas pontuais, apenas. “Nosso país possui uma relação muito baixa entre o número de matrículas na educação superior e a população na faixa correspondente, de jovens entre 18 e 24 anos. E antes de 2010, quando a gente teve edição do estatuto da igualdade racial, havia pouca reserva de vagas para estudantes negros. 

A maioria dessas ações afirmativas era destinada a alunos de escolas públicas, não havia o recorte racial. Só em 2012, com a lei de cotas, é que se começa a observar uma entrada maior de estudantes pretos e pardos nas universidades. E 2016, a gente incluiu na lei de cotas as pessoas com deficiências, o que eu acho totalmente justo, porque aí podemos falar em uma acessibilidade, de fato, ampla”, destaca.